No Dia do Escritor, dois autores da Amazônia falam sobre trajetória, desafios e o papel da literatura na região

  • 27/07/2025
(Foto: Reprodução)
Nicodemos Sena e Ednaldo Rodrigues, autores renomados da região. Arquivo Pessoal Em Santarém, dia 25 de julho, a data dedicada aos escritores ganha significado especial quando se ouve vozes nascidas à beira da Amazônia. Nicodemos Sena, jornalista, editor e premiado romancista, e Manoel Ednaldo Rodrigues, poeta, jornalista e educador, falam ao g1, sobre o ponto em que a escrita encontra, a resistência cultural e a necessidade urgente de formar leitores em um cenário de “mercado” editorial fragilizado. ✅ Clique aqui e siga o canal g1 Santarém e Região no WhatsApp Entrevista com Nicodemos Sena conta que o despertar para a escrita se deu de tanto ouvir as histórias maravilhosas que o pai dele, um caboclo semianalfabeto, contava. "Eu peguei gosto, também, de contar histórias, verídicas e, principalmente, as que eu inventava. Garatujei meu primeiro livro aos 13 anos de idade (coisinha à toa), sem saber escrever e sem ter conhecimento e visão crítica dos problemas que infernizam a vida dos povos amazônicos e transformam em Inferno o que deveria ser o Paraíso na Terra. Pois a Amazônia, com sua extravagante beleza natural, é, ao mesmo tempo, um paraíso e, em sua miséria social, um inferno". Foi a partir daí que Nicodemos tomou consciência dessa realidade e se tornou escritor, mais do que mero contador de causos. "Penso que, além de divertir, a arte deve cumprir sua função pedagógica, como já dizia há 2 mil anos Horácio", ponderou. Nicodemos nasceu na cabeceira do rio Maró, um dos três riozinhos que dão origem ao rio Arapiuns, primeiro grande afluente do majestoso rio Tapajós. Seus pais resolveram morar na sede do município de Santarém quando ele tinha 8 anos de idade. "Estudei na Escola Barão do Rio Branco, Ginásio Batista e Colégio Dom Amando. Minha infância na selva e a adolescência numa pequena cidade cercada por mato e água, completamente isolada como era Santarém até a década de 1970, marcaria a minha vida para sempre". Nicodemos diz que deve à Amazônia quase tudo o que é. "Vendo a Amazônia agredida e seriamente ameaçada pelas atividades econômicas predatórias, sinto uma dor na alma. Registrar e denunciar em meus romances o drama-tragédia da minha terra é a maneira que encontro de defendê-la”. O escritor Manoel Ednaldo Rodrigues começou sua trajetória na escrita com a leitura de poemas, o que despertou seu interesse pela linguagem poética. "Com o tempo, passei a fazer meus próprios rascunhos. Uma das leituras que mais me impulsionou na busca pelo conhecimento foi Fernão Capelo Gaivota, de Richard Bach, edição de 1969. Essa obra me marcou profundamente e me inspira até hoje a continuar a busca pelo conhecimento, por meio da leitura.” Segundo ele, a cidade e a região influenciam totalmente suas histórias. "Uma parte significativa da minha produção literária está diretamente ligada ao território em que vivo. Um exemplo é meu livro de contos — ainda inédito — intitulado Contos de Várzea, que dialoga diretamente com os cenários, personagens e vivências ribeirinhas da região.” Para o escritor, a escrita nunca foi uma atividade separada da vida cotidiana. “A escrita sempre caminhou lado a lado com minhas atividades profissionais, seja como jornalista, professor ou ativista cultural. Ela se insere como parte integrante da minha rotina, e não como um elemento à parte”, afirma. Ele enxerga na literatura uma forma de resistência e expressão diante dos desafios que enfrentam os autores longe dos grandes centros. “A principal dificuldade está na difusão e circulação da obra. Além disso, a ausência de políticas públicas consistentes para apoiar as produções locais agrava esse cenário”, explica. Segundo ele, embora os editais tenham surgido como alternativa recente, ainda são limitados: “Contemplam um grupo muito restrito de pessoas, o que reforça a necessidade de maior democratização dos acessos”. Veja abaixo mais curiosidades contadas ao g1 pelo escritor Nicodemos Sena Você percebe diferenças entre os leitores do seu estado e de outras partes do Brasil? Nidocemos: Não vejo diferenças que valham a pena citar. De Norte a Sul, Leste a Oeste o desinteresse pelos livros e pelo conhecimento que eles podem transmitir é, infelizmente, a marca do nosso país. Para se ter uma ideia, em 1960, a primeira tiragem da edição de um livro era, em média, de 4000 exemplares. Hoje, nenhum editor se aventuraria a mandar imprimir uma tiragem superior a 1000 exemplares. Essa alarmante redução não se deve ao aparecimento do livro ‘virtual’, o e-book, que, no Brasil, ainda é pouco significativo.” A literatura regional tem conquistado mais espaço no cenário nacional? “Nas décadas de 1930-40-50, quando o Brasil litorâneo voltava-se para conhecer as regiões ‘periféricas’, como o semiárido do Nordeste ou as chapadas do Mato Grosso, o termo ‘regional’ tinha seu charme. Em Literatura chamou-se até de Regionalista ao virtuoso ciclo composto pelos romances de Graciliano Ramos, José Américo de Almeida, Jorge Amado... Hoje, ‘regional’ é o rótulo que os críticos do Sul-Sudeste aplicam nos escritores que, com base em suas vivências interioranas, de um Brasil rural que vai sendo demolido pela agropecuária mecanizada, cantam as dores da terra e das gentes esmagadas pelo modelo econômico predatório. Esse ‘réquiem’ impotente, ainda que primorosamente executado, não desperta mais a boa vontade daqueles senhores do Sul-Sudeste, encastelados em suas cátedras, que se acham no direito de sentenciar o que é e o que não é boa Literatura. Para ser aceito, um escritor interiorano é levado a renegar ou disfarçar sua natureza interiorana, fruto de sua vivência do lugar. Coisa que me recuso a fazer.” Você enxerga barreiras para escritores de fora do eixo Rio–São Paulo? Nicodemos: A questão não é ser ou não ser de dentro ou fora do ‘eixo’. A questão é se o escritor se mantém ou não se mantém fiel a si mesmo, às suas vivências e convicções mais profundas, sem trair o destino e a missão que lhe foi ontologicamente outorgada, como filho e expressão da terra e das gentes que o geraram. Não importa se você veio do Norte ou do Nordeste, ou é oriundo das classes sociais ‘inferiores’, desde que, como artista da palavra, não dê protagonismo a personagens das classes populares. No máximo, os seres subalternizados podem ser tratados com certa benevolência. Eis o dilema e obstáculo que, ao meu ver, enfrenta o escritor de uma região ‘periférica’.” Como você enxerga o papel da internet e das redes sociais para divulgar seu trabalho? Nicodemos: Penso que a Internet e as redes sociais não favorecem e nem atrapalham a propagação de um livro. São apenas novos meios à disposição da expressão dos conteúdos. Não há por que temê-las. Pelo contrário. Quais estratégias você usa para alcançar leitores de outras regiões do país? Nicodemos: Como escritor, preocupo-me unicamente com a qualidade do meu texto. Deixo a estratégia para a divulgação e difusão por conta do meu editor. Como editor, que também sou, publicando outros escritores, não desprezo nenhum meio de comunicação. O marketing tem sua importância para o ‘sucesso’ editorial, mas, se o texto não for de fato bom, a ‘espuma’ criada pelo marketing logo se esvai e nada fica. Na sua visão, qual é a maior dificuldade enfrentada pelos escritores brasileiros hoje? “O maior problema está na base: a relativa falta de leitores no Brasil. Reduziu-se drasticamente o número de livrarias físicas. E as livrarias virtuais não têm criado um público ledor que explique tal redução. Sem leitores não haverá livrarias. Não havendo livrarias, as obras escritas e publicadas não circulam. Sem circulação dos livros não há mercado. O ‘mercado’ de livros no Brasil é uma licença poética de mau gosto. Pois a quase totalidade das ‘editoras’ de sucesso não se sustenta com vendas de livros em livrarias, mas do dinheiro público na maior parte drenado para os bolsos dos ‘empresários’ da cultura. O simples ‘fomento’, dever do Estado, não resolve o problema. Qual a importância do Dia do Escritor para fortalecer a literatura brasileira? Nicodemos: Datas comemorativas têm efeito meramente simbólico. A Literatura brasileira precisa de muito mais. Antes de tudo, é necessário melhorar o padrão aquisitivo do trabalhador e da trabalhadora, para que possam adquirir artefatos culturais, entre estes os livros, e que os livros passem a fazer parte do dia a dia das famílias, o que se poderá alcançar, algum dia, com uma firme política de Estado, que priorize a Educação. Com uma renda justa e suficiente para toda a família, e com uma boa educação teremos, certamente, o aumento exponencial do número de leitores em nosso país. Do contrário, como temos visto, o que impera é a ignorância, terreno fértil para todo tipo de abusos. Veja abaixo mais curiosidades contadas ao g1 pelo escritor Ednaldo Rodrigues Você sente que o público local valoriza a literatura feita por autores da terra? Ednaldo: Sim, embora esse público ainda seja relativamente restrito em comparação ao volume de produção existente. No entanto, percebo com otimismo que o interesse está crescendo gradativamente, o que é um sinal positivo de valorização dos autores locais. Já teve alguma obra rejeitada antes de ser publicada? Como foi essa experiência? Ednaldo: Sim. Já participei de dois editais nos quais minhas obras foram rejeitadas, com justificativas bastante frágeis. Essa experiência expõe a fragilidade nos processos de avaliação de muitos editais, que ainda carecem de critérios mais objetivos e justos. Você já participou de feiras, oficinas ou eventos culturais aqui na região? Sim. Fui um dos articuladores de um dos maiores movimentos literários da região Oeste do Pará, entre as décadas de 1980-1990: a Semana da Poesia do Oeste do Pará. Foi um projeto marcante que reuniu escritores, leitores e artistas em torno da literatura e da arte. A literatura local tem espaço nas escolas e bibliotecas da cidade? O que poderia melhorar? Ednaldo: Nas escolas, esse espaço ainda é tímido e precisa ser ampliado. Já nas bibliotecas, a literatura produzida em Santarém e na região está mais presente. No entanto, é necessário fortalecer políticas públicas que incentivem a inserção da produção local nos currículos escolares e nos acervos educativos. Que autores locais você recomenda e acha que merecem mais visibilidade? Ednaldo: Há um conjunto expressivo de poetas e escritores que merece maior reconhecimento. Para não correr o risco de ser injusto ao citar nomes, prefiro destacar que muitos deles integram a Academia de Letras e Artes de Santarém (ALAS). Além disso, destaco o projeto Memória Santarena, coordenado desde 1988 por Cristóvam Sena, diretor do Instituto Cultural Boanerges Sena (ICBS), como uma iniciativa fundamental para a valorização da história, da literatura local e regional.” O que o Dia do Escritor representa para você como autor local? Ednaldo: É uma data de celebração, reconhecimento e valorização de um segmento essencial para a cultura, mas que também é marcado por desafios e solidão. O Dia do Escritor deve servir, sobretudo, como um momento de reflexão crítica sobre a ausência de políticas públicas mais robustas que fortaleçam a produção literária em Santarém, no Pará e na Amazônia. Não se constrói uma cena literária consistente nem se forma leitores com editais que contemplam sempre os mesmos grupos em cada chamada pública. As entrevistas de Nicodemos Sena e Manoel Ednaldo Rodrigues revelam a força e a pluralidade da literatura produzida na Amazônia, nascida de vivências únicas e da urgência em denunciar realidades sociais. Ambos concordam que, apesar dos obstáculos e da escassez de leitores à necessidade de políticas públicas concretas, é na fidelidade às suas raízes e na busca pela qualidade do texto que reside a principal estratégia para manter viva a cena literária regional. No Dia do Escritor, suas vozes ecoam como um chamado para que sociedade e poder público unam esforços em prol da leitura, da cultura e da valorização dos autores loca Dia do escritor: Nicodemos e Ednaldo falam um pouco sobre sua experiências VÍDEOS: Mais vistos do g1 Santarém e Região

FONTE: https://g1.globo.com/pa/santarem-regiao/noticia/2025/07/27/no-dia-do-escritor-dois-autores-da-amazonia-falam-sobre-trajetoria-desafios-e-o-papel-da-literatura-na-regia.ghtml


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