O desastre do Concorde: como uma peça de metal de 43 cm derrubou o lendário avião supersônico e decretou sua aposentadoria

  • 27/07/2025
(Foto: Reprodução)
Desastre do Concorde: como peça de 43 cm derrubou avião supersônico Em uma tarde quente de julho no verão europeu, o comandante Christian Marty alinhou o icônico nariz rebaixado do Concorde apontando a oeste na cabeceira de uma das quatro pistas do aeroporto Charles de Gaulle, na França. Ao receber autorização da torre, ele empurrou as manetes de potência para a frente, fazendo rugir os quatro motores Olympus 593, célebres pelo barulho ensurdecedor. Cerca de três horas e meia depois, seu avião deveria cruzar o Atlântico —duas vezes mais rápido que a velocidade do som— e pousar em Nova York. O fim do Concorde: por que não existem mais aviões supersônicos de passageiros voando? ✅ Clique aqui para seguir o canal de notícias internacionais do g1 no WhatsApp Em 121 segundos, porém, o comandante Marty e todos os ocupantes daquele avião estariam mortos – e a era das viagens supersônicas estaria fadada a acabar. (⚠️Esta reportagem é parte de uma série do g1 dedicada à reconstituição de acidentes e incidentes aéreos, explicando como ocorreram e quais as lições aprendidas. Ao final deste texto, veja a lista dos capítulos já publicados) Entre 1976 e 2003, os Concordes transportavam diariamente milionários e celebridades de um lado a outro do Atlântico em voos rápidos e regados a champanhe e caviar, mimo restrito atualmente às primeiras classes de algumas companhias aéreas. Um desses voos foi o Air France 4590, que acabou em desastre há pouco mais de 25 anos, em 25 de julho de 2000. A história envolve o complexo Concorde, conhecido como um dos maiores feitos da engenharia de todos os tempos, e uma peça de metal retorcida de 43 centímetros, pouco maior que uma régua, caída na pista de decolagem. Imagem de fotógrafo amador registra fogo em Concorde no voo Air France 4590, em 25 de julho de 2000 Reprodução/TV Globo Uma troca de última hora O voo Air France 4590 era apenas parte de um roteiro dos sonhos para os 100 passageiros que embarcaram no Concorde, um avião diferente em tudo, inclusive na capacidade, quando comparado às aeronaves que faziam voos transatlânticos —levava no máximo 128 passageiros. O grupo era formado por turistas que haviam saído da Alemanha e comprado um pacote que incluía, depois da chegada a Nova York, uma viagem de navio pelo Caribe em direção ao Equador. Para isso, a agência fretou um dos aviões supersônicos da Air France. Apenas 13 das famosas aeronaves supersônicas voavam na época, todas pela empresa francesa ou pela British Airways. A razão: o Concorde era caro de operar e de manter, e não raro dava prejuízo às companhias aéreas que o operavam. ✈️ Histórias incríveis da aviação Histórico de Versões O retrospecto do modelo era irretocável até então: em 24 anos de operação comercial, jamais havia sido registrado um único acidente com morte envolvendo a aeronave. Naquele dia, a companhia havia designado um de seus Concordes para o voo 4590, mas decidiu trocar, na noite anterior, por uma aeronave reserva, a F-BTSC. Em uma última checagem de manutenção, a Air France constatou um defeito no reverso de um dos quatro motores, trocando a peça pela de outra aeronave, também da frota reserva. Essa foi apenas uma das complicações iniciais daquele voo. Posteriormente, os investigadores descobriram que um erro fez com que mais bagagens fossem embarcadas do que tinham conhecimento os pilotos, atrapalhando o cálculo de peso total do avião. O Concorde F-BTSC da Air France, envolvido no acidente de Gonesse em 2000 Michel Gilliand/Wikimedia Commons Na cabine de comando, o comandante Christian Marty, 54 anos, responsável pela pilotagem, estava acompanhado do co-piloto Jean Marcot, 50 anos, e do engenheiro de voo Gilles Jardinaud, 58 anos. O trio tinha vasta experiência com o supersônico. (A função de engenheiro de voo é hoje extinta na aviação comercial regular de passageiros devido à automação das aeronaves). Às 16h34, horário local, o Concorde finalmente saiu do portão e iniciou seu táxi até a cabeceira da pista 26R do Charles de Gaulle. Com 100 passageiros e 9 tripulantes, os pilotos sabiam que a aeronave estava pesada —e ordenaram o enchimento dos 13 tanques de combustível até a quase totalidade. O Concorde era reconhecidamente beberrão, e boa parte desse combustível era gasto em solo: das 95 toneladas de querosene de aviação embarcadas, duas estavam reservadas somente para sair do terminal e chegar à pista. A pequena protagonista de uma grande tragédia Assim como os motores Olympus não eram eficientes para o taxiamento, as famosas asas em delta do Concorde, projetadas para rasgar o ar a Mach 2 (cada Mach corresponde à velocidade do som), tampouco eram tão eficientes na decolagem. Os Concordes precisavam de muito mais pista e muito mais velocidade que os aviões comerciais comuns para levantar voo. Por isso, mesmo com a pista 26R sendo grande, com seus 4.142 metros, Marty solicitou à torre o uso de toda a extensão para realizar a decolagem – ou seja, iria começar o procedimento na cabeceira, em vez de cortar caminho por um acesso auxiliar. Às 16h37, aquela mesma pista foi usada por um DC-10 da Continental Airlines. Em um fato que passou despercebido, já que as inspeções de pista eram menos rigorosas na época, uma barra de metal que vedava o capô do reverso do motor direito daquela aeronave caiu na pista, durante a corrida para decolagem. A queda da barra de metal, como seria descoberto depois, decorreu de uma falha que já dava sinais de que aconteceria. E a peça, de liga alumínio-titânio, com 43 cm de comprimento, seria a protagonista da tragédia. Um erro de cálculo Às 16h39 —dois minutos depois de o DC-10 da Continental decolar—, enquanto o Concorde se aproximava lentamente da cabeceira da pista, Marty, Marcot e Jardinaud faziam o tradicional briefing pré-decolagem. Baseado no peso do avião e na extensão da pista, o comandante definiu os seguintes parâmetros: V1 a 150 nós (277,8 km/h). V1 é a velocidade em que a aeronave atinge o ponto de não retorno, depois da qual é impossível abortar a decolagem. VR a 198 nós (366,7 km/h). VR é a velocidade mínima a partir da qual o piloto pode levantar o nariz da aeronave e iniciar a decolagem. O Concorde tinha uma VR particularmente alta em relação às demais aeronaves de passageiros. No caso do voo 4590, ela era um pouco mais alta devido ao vento de cauda que a aeronave estaria recebendo. V2 a 220 nós (407,4 km/h). V2 é a velocidade na qual a aeronave é capaz de levantar voo e ganhar altitude em segurança, e deve ser alcançada pouco após a saída do solo. No briefing, como de costume em qualquer voo, o comandante definiu procedimentos para emergências: De 0 a 100 nós (0 km/h a 185 km/h), Marty abortaria a decolagem em qualquer eventualidade. De 100 nós a V1, Marty abortaria a decolagem em caso de incêndio nos motores, falha nos motores e caso acendesse o alerta de despressurização abrupta dos pneus, que o copiloto estaria monitorando. Pela alta velocidade de decolagem e posição do trem de pouso, abaixo das longas asas, os pneus do Concorde exigiam uma atenção particular, maior do que a de aeronaves subsônicas. Um minuto depois, Marty perguntou ao engenheiro qual tinha sido o consumo de combustível até aquele momento. "Nós temos 800 kg", respondeu Jardinaud. O número estava bem abaixo das duas toneladas programadas para o táxi. A tripulação não sabia, mas o Concorde estava mais pesado do que os pilotos haviam sido informados pela empresa aérea: eram 185,88 toneladas, cerca de 800 quilos a mais do que o peso máximo de decolagem estipulado no manual da aeronave. Esse fator tornaria a decolagem ainda mais complicada. ‘Quatro verdes’ Eram 16h42 e 17 segundos quando a torre autorizou a decolagem. Treze segundos depois, o gravador de voz da cabine registrou o típico “clique” das manetes quando colocadas em posição de potência máxima. Os dispositivos pós-combustão se acenderam na traseira dos motores Olympus e o Concorde iniciou sua corrida pela pista 26R. Passaram-se apenas 24 segundos até o copiloto confirmar: “100 nós” (185 km/h), indicando, conforme o combinado, que apenas uma emergência grave abortaria a decolagem. “Quatro verdes”, anunciou o engenheiro de voo, sinal de que os quatro motores estavam funcionando normalmente. “V1”, disse o copiloto, às 16h43 min03s – a partir de então, a 277,8 km/h, a decolagem não poderia mais ser abortada. Decisões extremas Ao analisar os dados da caixa-preta, os investigadores notaram uma leve variação na velocidade lateral do Concorde seis segundos após ele atingir a V1. Foi um momento-chave: segundo o relatório final, exatamente às 16h43min09.5s, um dos pneus do trem de pouso principal esquerdo atropelou a pequena peça de metal que havia se desprendido do DC-10. Tudo acontece muito rápido a partir de então. Seguindo o procedimento padrão da aviação, o comandante decide proceder com a decolagem —já que abortar o procedimento após a V1 levaria o avião a não parar a tempo no final da pista, com consequências igualmente fatais. A poucos metros da pista 26R, um Boeing 747 havia acabado de pousar e aguardava o aval da torre para o desembarque. Quem estava a bordo da aeronave era ninguém menos que o então presidente da França, Jacques Chirac (1932-2019). O engenheiro avisa: falha no motor 2; um alarme toca A partir do encontro com a peça de metal, a tripulação enfrentou uma sucessão de problemas que, em menos de um minuto e meio, derrubaria o Concorde. Segundo o relatório final, o acidente se desdobra da seguinte forma: 16h43min11s: o ruído de fundo gravado pela caixa-preta muda significativamente, indicando o início de um incêndio 16 h 43 min11,9s: um som ininteligível é ouvido no gravador de voz da caixa-preta, e o comandante começa a mover o leme para a direita. 16h43min12s: os motores 1 e 2 sofrem sua primeira perda de empuxo. 16h43 min13,0s: “Cuidado!” exclama o engenheiro de voo. 16h43min13,4s: um controlador avisa que chamas estão saindo da aeronave. 16h43min20,4s: “Falha no motor 2”, avisa o engenheiro de voo 16h43min20,9s: o motor 1 parece voltar a funcionar. 16h43min21,9s: o Concorde finalmente sai do solo. 16h43min22s: o alarme de incêndio soa na cabine. 16h43min27,2s: o copiloto chama a atenção para a velocidade. 16h43min30s: o comandante pede para recolher o trem de pouso, mas o mecanismo está travado. 16h43min31s: o controlador de voo confirma as chamas e concede prioridade ao Concorde para ele retornar à pista em um pouso de emergência. Muitos alarmes e uma última tentativa Múltiplos alarmes de incêndio tocam a partir de então. O copiloto chama diversas vezes a atenção para a velocidade, abaixo daquela mínima para manter a aeronave voando. Ele tenta outras vezes recolher o trem de pouso, mas a aeronave não responde. 16h44min05s: o controlador dá instruções para o Concorde retornar ao Charles de Gaulle. 16h44 min11,5s: O motor 1 falha novamente. Neste momento, o incêndio já deforma o aileron da asa esquerda (peça que faz a aeronave girar) e a própria asa. O avião gira à esquerda. 16h44min14,6s: o copiloto responde ao controlador: “Le Bourget! Le Bourget! Negativo, nós estamos tentando Le Bourget”, em relação a um pequeno aeroporto perto de Paris. É tarde demais. Às 16h44min31,6s, a gravação é encerrada. O Concorde se choca contra um hotel na cidade de Gonesse, a 10 km da pista do Charles de Gaulle. Todos os 109 ocupantes morreram, além de quatro pessoas em solo. Destroços do Concorde acidentado são vistos em 26 de julho de 2000 AFP Uma série de descobertas Ao analisar a dinâmica do acidente, os investigadores da BEA (agência francesa de investigação de acidentes aéreos) rapidamente identificaram que o acidente teve início com a peça de metal de 43 centímetros atropelada pelo pneu do Concorde. Era preciso entender por que este evento, apesar de anormal, teve consequências tão catastróficas. A primeira descoberta foi que os Concordes tinham um histórico de nada menos que 75 incidentes documentados envolvendo problemas nos pneus dos trens de pouso, alguns dos quais levaram a danos estruturais nas aeronaves e em seus tanques de combustível. A ocorrência mais grave foi registrada em 1979 no aeroporto de Washington, nos EUA, quando dois pneus sofreram problemas, um deles estourou e lançou borracha em direção à asa, perfurando três tanques de combustível. O voo foi cancelado, mas não houve vítimas. Algumas medidas de proteção foram colocadas em prática. No incidente de 1979, porém, o vazamento resultante foi de cerca de 4 kg de combustível por segundo. Peça de metal que caiu de DC-10 da Continental Airlines, ocasionando o acidente com o Concorde que fazia o voo Air France 4590, no aeroporto Charles de Gaulle, em 25 de julho de 2000 BEA/Reprodução Um vazamento —e um incêndio incontrolável No voo Air France 4590, os engenheiros estimaram um vazamento de combustível de nada menos que 60 kg/s. Tudo começou quando um dos pneus atingiu a barra de metal, estourando imediatamente e lançando pedaços de borracha em direção ao tanque número 5 – o qual estava totalmente carregado, com 7,2 toneladas de querosene. O impacto não perfurou o tanque, mas causou uma onda de pressão que estourou o compartimento de dentro para fora. Não se sabe se as chamas se originaram pelo contato com a fiação do trem de pouso, também danificada, ou com as partes quentes dos motores 1 e 2. Com um incêndio incontrolável logo à frente dos motores, estes exalavam fumaça e apagavam. O dano no trem de pouso também fez o avião virar à esquerda. O comandante Marty se viu obrigado a levantar o nariz do avião antes de atingir a VR, a velocidade em que é possível levantar voo. Uma vez no ar, o Concorde conseguiu subir apenas 60 metros. Foram 121 segundos entre a aceleração na cabeceira da pista e a queda, e pouco mais de um minuto em voo propriamente dito. Numa época ainda sem celulares com câmera, testemunhas com câmeras filmadoras registraram o avião em chamas no ar —e a queda em seguida. O quase recomeço e o fim Imediatamente depois da tragédia, a Air France retirou de operação todos os seus Concordes. A British Airways fez o mesmo dias depois, e as aeronaves tiveram seus certificados revogados. O desastre minou a confiança do público nas aeronaves, outrora consideradas exemplares no quesito segurança. Ao fim da investigação, foram determinados reforços estruturais nas asas e nos tanques, que agora teriam de ser revestidos com kevlar, um material ultrarresistente. A própria borracha dos pneus precisou ser modificada, e mudanças também foram exigidas no caminho das fiações do trem de pouso. O Concorde já fazia voos de testes para voltar a levar passageiros quando a aviação mundial recebeu um de seus maiores baques de todos os tempos: os atentados de 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos, que fizeram despencar a demanda pelo transporte aéreo em todo o mundo. Os supersônicos voltaram a operar em novembro de 2001, mas eram equipamentos caros, tanto para os passageiros quanto para as companhias aéreas. As margens de lucro eram mínimas ou negativas. O modelo era um dos poucos que ainda necessitavam de um engenheiro de voo na cabine. Em 2003, por fim, a Airbus informou que deixaria de fabricar peças de reposição do modelo. A Air France logo aposentou suas unidades, e a British Airways seguiu o mesmo caminho em outubro daquele ano. Nunca mais houve um voo supersônico de passageiros até hoje. Uma peça que não deveria estar ali Como acontece depois de um acidente aéreo, o voo 4590 deixou lições importantes para a indústria da aviação. Depois do desastre, as inspeções de pista para limpeza e remoção de detritos passaram a ser levadas bem mais a sério. No Charles de Gaulle, em 2000, eram feitas inspeções de duas a três vezes por dia, muitas vezes adiadas devido ao volume de tráfego de aeronaves. Atualmente, aeroportos do mundo todo empregam tecnologias de detecção de peças soltas na pista e realizam inspeções frequentes. A Continental Airlines (que em 2010 se fundiria à United) também foi cobrada para realizar suas manutenções com mais cuidado. A peça de metal que caiu no aeroporto francês havia sido trocada duas vezes nos dois meses anteriores à tragédia —isso porque a peça ao lado no capô do motor era maior do que deveria, o que forçava o desprendimento da outra. A peça não seguia as especificações do fabricante, nem sequer era do material correto. Vinte e cinco anos depois, a aviação comercial pode ter desacelerado em relação aos supersônicos, mas certamente é mais segura desde então. Acidente com Concorde em 2000 Arte/g1 g1 conta a história de acidentes e incidentes aéreos famosos ⚠️ A reportagem acima é parte de uma série do g1 dedicada à reconstituição de acidentes e incidentes aéreos, explicando como ocorreram e quais as lições aprendidas. Leia a seguir alguns dos textos já publicados: British Airways 009: como um dos maiores aviões do mundo escapou por um triz de um desastre após ser atingido por ‘poeira misteriosa’ A história do voo TAP 131: como um garoto de 16 anos sequestrou um avião —e virou amigo do piloto anos depois Iran Air 655: como um navio de guerra dos EUA derrubou por engano um avião civil do Irã e matou 290 pessoas O desastre de Charkhi Dadri: como uma série de erros fez dois aviões baterem em voo, na colisão no ar mais mortal de todos os tempos Air Canada 143, o 'planador de Gimli': como um piloto pousou um Boeing numa pista de corrida após voar 17 minutos sem combustível

FONTE: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2025/07/27/o-desastre-do-concorde-como-uma-peca-de-metal-de-43-cm-derrubou-o-lendario-aviao-supersonico-e-decretou-sua-aposentadoria.ghtml


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